A Maldição da Tristeza
Conto gótico que escrevi na época que pesquisava minha depressão e a de muitos outros amigos e amigas!
Meus caros, eu era muito jovem, ousado e belo, mas sucumbí à decepção de um amor precoce que levou tudo de mim, deixando-me obliterado e vazio.
E vários dias e noites passei cultivando minha depressão com a maior dedicação do mundo, entregando-me desesperadamente aos braços da solidão, totalmente decidido a emparedar minha alma na mais soturna galeria de minha consciência.
Parei de beber. Não queira turvar minha tristeza com sarcasmos e autopiedade.
Parei de fumar. Não desejava que minha solidão e ansiedade se esvaísse em fumaça.
Eu estava completamente dedicado a encontrar a forma mais pura e sombria da tristeza dentro de mim. Queria tirá-la de dentro de mim, olhá-la, acariciá-la, colocá-la à minha frente para conhecê-la profundamente.
Já não chorava mais porque possessivo que sou, não queria ver minha tristeza derreter-se entregando-se ao chão, aos lençóis, travesseiros ou aos torpes lenços de papel.
Não! Ela estava dentro de mim e só a mim pertencia.
Após duas semanas de dedicação, cheguei ao abismo.
Qual não foi meu júbilo, caros meus, quando certa tarde tentei sair daquele estado deprimente e não consegui!...
E o orgulho que senti ao ver que a tristeza não só havia me aceito, como também não mais queria sair de mim! E, neste dia, resolvi também me calar para sempre. Estava dando tudo tão certo que no lastimável estado em que me encontrava, ocorreu-me à beira da janela, atirar-me e acabar com tudo.
Estava eu olhando hipnóticamente o asfalto quando senti um leve toque no meu ombro esquerdo.
Ao virar-me, caros, um arrepio esquentou minha espinha e subindo gelado até minha cabeça, arrepiou-me os cabelos.
Na minha sala, havia um ser encapuzado, cujo rosto não era possível ver! Tremi. Ele fez um sinal de aquiescência e falou numa voz suave e baixa:
- Não te atires. Não sejas como os infiéis levianos que tanto me querem que quando me têm, acabam com tudo! Covardes que são!
- Atendi teu chamado. Tenho planos para ti!
Eu tentei andar e minhas pernas derreteram, não as sentia, mas consegui falar tão baixo que nem me ouvia: - És tu minha profunda tristeza?
Ao que ele suavemente respondeu: - Não sou nome nem palavra.
De teus lamentos faço minha voz. De tuas lágrimas o lago onde me banho. De tua depressão fiz o caminho que me trouxe a ti. De tua tristeza faço meu descanso. De tua solidão me criei, e teus suspiros são brisa para mim!
- Não morras jamais! Queres viver para sempre? Diga que sim e te prometo que darei a ti as mais amargas tristezas e as mais desesperadas lágrimas até que teu olho seque!
- Vem para mim, como vim a ti!
Ao ouvir incrédulo estas palavras, caí em mim pensando, ou me atiro agora mesmo e morro, ou me entrego às misérias do sofrimento eterno com os olhos secos!
E agora?
Caminhei até aquele ser, olhei para ele de frente, acariciei seu capuz, abracei-o e o conheci tão profundamente que caí de joelhos chorando desesperado como uma vítima testemunha de um holocausto.
Eu havia violentado minha própria alma na procura de um sofrer tão absoluto... e agora, o que seria de mim. Queria acabar com este desespero, queria que aquele ser fosse embora, queria voltar à vida!
Num átimo, em passos rápidos transpassei o ser e fui até meu bar, abri uma garrafa de whisky e bebi sofregamente. O ser continuava ali.
Fui até o quarto e acendi um cigarro para numa tragada profunda ver, que o ser continuava lá. Acendi as luzes.e ele permanecia. Liguei a TV e sintonizei o Cartoon Network. Ele continuava impassível.
Liguei o som e coloquei um CD de carnaval . Mas, ele continuava ali.
Então, desatei a rir bebendo e fumando ao mesmo tempo frenéticamente...
Foi então, que ele elevando sua voz proclamou:
- Vejo que és jovem, belo e volúvel! Agora, não me queres mais!
- Preferes as alegrias? - Deixo-te então com elas! As alegrias são efêmeras e elas mesmas se encarregarão de trazê-lo de volta para mim, no devido tempo e, para sempre!
E assim dizendo, se desfêz no ar e se foi.
E hoje meus caros, aos 130 anos, a cada alegria que experimentei na minha vida, posso dizer que bem maior tem sido minha tristeza e dor.
A todos que amei, já enterrei: pais, irmãos, amigos, amigas e amantes...
Enterrei meus filhos de muitas amadas esposas que se foram..
E eu, com olhos secos que não choram jamais, não sinto mais tristeza porque também já não sou mais feliz.
Apenas oro noite e dia, para que o ser encapuzado volte, e perdoe o erro que lhe fiz.
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